terça-feira, 24 de julho de 2018

A casa da minha infância

A velha casa com flores e árvore no jardim, com balanço no quintal, o muro de cimento salpicado que me arranhava as pequenas pernas quando na ponta dos pés lutava para me equilibrar a fim de apreciar os passantes na rua de paralelepípedos, as saúvas assassinas, capazes de devorar pés e tornozelos inteiros sem a menor piedade, que moravam em sua gigantesca toca encostada em um canto do muro, a vila do outro lado da rua dos grandes leões de pedra que margeavam a entrada, o bêbado do bar da esquina e mais uma infinidade de lembranças estavam bem ali vivas em minha memória como se congeladas no tempo o qual elas pertenceram. Tudo era real, até os cheiros estavam lá com as mesmas fragrâncias. 

Aí eu lembrei que cresci e fui olhar com os olhos de adulto e vi que a velha casa já não era mais a mesma. Cimentaram o jardim, o quintal que na minha memória era enorme, já cabe em apenas um lado do meu olhar, o muro virou grade, o bêbedo sumiu junto com o boteco e em seu lugar um grande prédio se ergueu. As formigas... para onde será que foram as minhas formigas? E os leões, meus vizinhos pomposos, os guardiões da vila, sumiram também. Tudo estava fisicamente diferente, mas minhas memórias ainda estavam do mesmo jeito, gravadas naquele lugar e em mim, com a mesma emoção e intensidade dos curtos e eternos oito felizes anos que ali vivi.